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Parte IV - O Encontro da Semente (histórico do grupo e o projeto da criação coletiva)

(Extraído de TANTÁLIA - O ator como testemunha no processo criativo, monografia apresentada em 2014, orientada por Maria Thais Lima Santos)

Antes de relatar o alcance destes questionamentos na minha prática e na prática dos atores envolvidos, creio ser necessária uma elucidação do nosso modo estrutural de trabalho e de espelhamentos possíveis.

A formação deste coletivo é recente, mas não se inicia com Tantália. A alusão ao termo “coletivo” sempre de deu de maneira intuitiva, entendendo que essa designação faz referência direta a alguns grupos teatrais dos anos 70 e aos seus modos vanguardistas de estruturação da criação, principalmente dramatúrgica, dos espetáculos. Apoio-me nas teorizações a respeito destes coletivos para estabelecer parâmetros para nosso grupo e vejo um indício disso no fato de que texto e cena são instâncias indissociáveis. Vejo com interesse também a tentativa de abolição da função do dramaturgo com o objetivo de fazer do processo de criação cênica a fonte primordial – e, em muitos casos, única – da autoria[1]. Naquele contexto artístico, fazia-se necessário reformar a noção de autoria do espetáculo, até então centrada no dramaturgo; Paralelamente, eram artistas que se reuniam em torno da vontade de fazer teatro e/ou de utilizá-lo como instrumento de contestação política, sem hierarquia, sem reproduzir esquemas autoritários de trabalho ou padrões convencionais de realização cênica[2].

Porém, creio que podemos nos apropriar da noção de coletivo apenas a partir do processo de Tantália, que difere bastante em termos de concepção processual dos nossos trabalhos anteriores[3]. Neles, nos aproximamos do modo colaborativo de criação, que pressupõe funções definidas mas uma autoria compartilhada entre diretor, atores e outros colaboradores. Felipe Rocha foi nosso diretor nestes processos, propositor de uma linha inicial de trabalho e de procedimentos de treinamento. Sua direção sempre teve como prioridade o desenvolvimento do trabalho do ator em diálogo com sua proposta, e era clara a sua disponibilidade para a mudança a partir do comportamento propositivo de cada ator. Diferindo de outros processos do qual participei como atriz, o trato deste diretor com os atores não era o de um condutor que vê um corpo unificado de atores, cegos diante de um líder, mas de um ator cuja função se estendeu à direção, separado dos outros atores apenas pela necessidade de um olhar externo capaz de individualizar a participação dos outros e depreender dela problemas e encaminhamentos.

É em Tantália que se estabelece – a princípio não tão elucidamente – a ideia de um grupo de pessoas que se reúne por uma vontade de criação coletiva. O que nos norteava era ter a atuação como princípio ideológico, e logo de início sabíamos que nossa trajetória se daria sem a presença de um diretor definido – essa função se diluiria entre nós. A presença de Felipe foi fundamental pois, apesar o termos como um referencial de direções passadas – e de recorrermos à sua experiência sempre que possível -, era quase como um ato de generosidade que nos apossávamos da cena como proto-diretores e que restituíamos a ele a possibilidade de ser um ator entre atores. Se havia um contrato de convívio entre diretor e atores, ele não foi negado, apenas estendido a todos em termos de responsabilidade.

Confesso que me encanto por essa forma de trabalho análoga a do coletivo, mas que me assusto diante da possibilidade de uma horizontalidade que, colocando todos ao mesmo pé, pode não equalizar apenas a importância de funções, mas as diferenciações criativas, tão necessárias para um projeto interessante; Receio também a falta de rigor com o cumprimento de tarefas e objetivos cênicos - rigor este que o modelo hierárquico cobra muito bem – e a habilidade coletiva para a finalização estética de um espetáculo, ou mesmo para escolhas simples que quando atribuídas a um grupo, tendem a ser demoradas, frutos de problematizações e incertezas de integrantes que apoiam-se no espírito democrático para se guiar. Testemunhei a validade ou não de todos estes temores ao longo do processo de Tantália, mas acredito agora que era temores pequenos diante da potência de subversão deste modo de trabalho. Mais importante do que colocar o Coletivo em oposição ao Processo Colaborativo é ver que as possibilidades de estruturação que esse pensamento propicia. O modo de criação coletiva pode ser irrestrito, mas insiste em reproduzir formas já conhecidas. Justamente pelo fato de negar a especialização de funções, abre-se a possibilidade de uma ampliação de cada função até que se desconfigurem as fronteiras entre elas. Assim sendo, a estruturação fluida dá ao ator também a oportunidade de eliminar, caso queira, os limites que o restringem à execução e de assumir uma função autoral que não que não se restringe à criação individual.

[A versatilidade na configuração de um coletivo veio como um pensamento forte após o término de Tantália. Pensamos que talvez estivesse aí não uma definição fácil para justificar as reestruturações que o grupo passou, mas um norte a ser seguido que teria como matriz o projeto de Tantália. A criação cênica, na definição do coletivo, é a fonte principal da escrita cênica[4]; No nosso trabalho, a ser continuado, a ideia é que o grupo, as formas de organização interna, a necessidade ou não de um diretor, de dramaturgia, o formato dos ensaios e dos treinamentos sejam móveis – que tenham seu modo de existência pautado pelas necessidades de cada projeto.]

[1] TROTTA, R. – Autoralidade, grupo e encenação. Revista Sala Preta, v.6., p. 158.

[2] NICOLETE, A. – Da Cena ao Texto. p. 6.

[3] A saber: “Hamlet: Faltei ao Psiquiatra para Consertar o Freezer” e “Expurgo: Enterrei Édipo no jardim e agora estou pronto para algo mais pop”

[4] TROTTA, R. Op cit, p. 156.

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