HAMLET
Faltei no psiquiatra para consertar o freezer
“(...) existe uma esfera da não-violência no entendimento humano que é totalmente inacessível à violência: a esfera própria da compreensão mútua, a linguagem.” Walter Benjamin
Primeira obra de Ophélia Trava, HAMLET – faltei no psiquiatra para consertar o freezer surge da vontade de estudar as potências do texto clássico no âmbito contemporâneo.
A dramaturgia shakespereana comunica-se conosco em suas consonâncias e dissonâncias, a todo momento lembrando-nos que a relevância de um clássico está em sua capacidade de falar ao humano de qualquer época, desde que este não assuma uma atitude contemplativa de reverência ao clássico. Do atrito entre a tragédia de Hamlet, materias teóricos outros, treinamentos físicos direcionados e urgências dos envolvidos, surge a pesquisa de Hamlet - Faltei no psiquiatra para consertar o freezer.
A pesquisa fundamenta-se no trabalho dos atores e na busca por uma qualidade interpretativa que se dê no nível da ação pura ou da performatividade. Tendo por base um treinamento de movimento que coloca a violência como impulso da criação, os atores se colocam completamente inseridos nas circunstâncias de cada cena, trabalhando sempre abertos às transformações do momento presente, mas conscientes do caminho que a ação deve seguir em função da construção do pensamento de cada figura.
Como dispositivos para o trabalho de atuação, está a ideia da DESMEDIDA, termo utilizado para designar a ação equivocada do herói que ocasiona sua própria peripécia, a virada de sua fortuna. Partindo deste princípio, a obsessão como radicalização da vontade era o principal mote do treinamento físico, da relação com o espaço e entre as figuras. Hamlet foi montado sob a lógica do movimento, como uma dança, na qual as obsessões das personas – seus objetivos, suas vontades primárias – criam trajetórias cruzadas, sobrepostas e opostas, que caracterizam não a história de Hamlet, mas a própria vida em trânsito deste ou daquele homem. Este pensamento da atuação é o que faz da cena um acontecimento concreto, no qual os atores não encontram meios para uma atuação representativa, necessitando sempre de um trabalho de análise ativa em cena, que se reconfigura a cada movimento.
A violência, assim, sai do âmbito dramático de caracterização da maldade ou da vilania e aparece como resultado do choque de obsessões em oposição. A violência inerente à obra Shakespereana é humanizada, é colocada como força de impulso em um tempo que “está fora dos gonzos”, nas palavras do próprio autor. Desse modo, a obra se passa em um ambiente que remete ao espaço familiar, à casa. E tudo se constrói tendo como superobjetivo o desmantelamento das relações e do espaço. Há um acúmulo de acontecimentos, de elementos cênicos, de relações entre as personagens, de modo que a encenação, para além de tratar da violência como tema, se coloca formalmente em relação a isso.
A violência atinge o espectador na esfera emocional não por uma construção psicológica das figuras, mas sim, por conta da materialidade com que se lida com o espaço e com o corpo dos outros. Assim sendo, se constrói uma trajetória que, apesar do caos inerente à encenação, transcorre de modo claro até o fim devido à clareza do desenho dramatúrgico da cena, que varia entre momentos que revelam a obsessão de cada figura, e momentos em que se prima pela energia do coletivo, da massificação da “cultura Coca-Cola” proposta por David Silvester, uma das referências do processo criativo.
Sinopse
Um reino reduzido à sua constituição carnal. Uma corte entregue à sua condição primeira – a de ser perecível. Um ossário vivo, abandonado à própria obsessão. Hamlet. No território do dever, a primazia da vontade toma a forma que lhe convém. Um nenhum Hamlet, um Hamlet de qualquer lugar. Talvez morto. Talvez numa vala comum. “Isso não é bom, nem vai acabar bem”. Está jurado.
Ophélia Trava
Quem integra
Atraídos pela causa de Ophélia, estiveram:
Atores | Felipe Rocha, Giulia Castro, Marcus Vinícius Garcia, Marô Zamaro, Mateus Fávero, Naia Soares, Renan Dias
Direção | Felipe Rocha
Assistência de Direção | Otto Blodorn e Carolina Braga
Colaboradores | Francisco Lauridsen Ribeiro, Mayra Coelho, Bárbara Lins, Juliana Prado